Por Alfredo Bertini*
No País das diversidades, o papel do genuíno produtor cultural - aquele que verdadeiramente empreende ações favoráveis ao fortalecimento socioeconômico da sua região - está cada vez mais difícil, no sentido de exerce-lo com a responsabilidade que lhe cabe. Esse simples mortal vive em estado permanente de tensão. Não só pelas agruras de uma atividade cuja natureza por si só é muito estressante. Mas, se já não bastasse os equívocos costumeiros provocados por políticas culturais ziguezagueantes, tem-se ainda que conviver com a onipresença dos fantasmas das burocracias excessivas. E, mais recentemente, com as ondas de suspeitas que costumam ser dirigidas ao exercício do setor. É preciso fôlego para sobreviver. E coração também para aguentar.
Antes de qualquer entendimento prévio sobre essa figura pouco valorizada, faz-se necessário destacar que o produtor cultural representa, numa sociedade que se pressupõe moderna, um agente econômico importante. O setor do entretenimento, no qual a cultura deve ser inserida (assim como o esporte e o turismo), é hoje a atividade econômica número um no mundo. Essa nova realidade impõe uma compreensão social diferente do que realmente representa o empreendedor cultural. Afinal, se qualquer cidadão está disposto a consumir a mais simples modalidade de lazer, ele tem que ter a certeza de que para tal fim, alguém teve a iniciativa de mobilizar recursos de produção, no propósito de atende-lo nesse seu bem-estar. E esse papel tem um fundamento econômico similar a qualquer outro produtor, também capacitado a tomar iniciativas para ofertar seus bens ou serviços.
Mas, além de passar por cima desse preconceito conceitual, o produtor cultural costuma ainda ser “vitimado” noutras empreitadas. Um dos calvários é poder suportar uma atividade que é fortemente dependente do poder público. Não porque ele queira que assim seja. É que, no frigir dos ovos, o próprio mercado cultural - heterogêneo na sua natureza de ofertar produtos tão diferenciados - não pode prescindir do papel governamental.
A não ser os casos dos produtos ditos “comerciais”, que passam mesmo ao largo dessa dependência. Assim, viver sob a rotina de políticas mutantes e muitas vezes equivocadas, além da submissão às regras burocráticas rigorosas, não parece ser uma rotina de trabalho tão “saudável” como muita gente pensa. O produtor faz a diversão acontecer, mas para isso tem que por muita dose de trabalho e capital no seu esforço produtivo, sobretudo, para suportar tanta alternância política e toda a avalanche burocrática que a acompanha.
Não obstante essa condição de “refém” das políticas públicas e suas burocracias inconsequentes, o verdadeiro empreendedor cultural tem agora que “passar num teste” cada vez mais comprometido com a exposição pública. Sua honestidade profissional precisa ser comprovada. De fato, o produtor passou a ser alvo contumaz de parte de uma mídia, que também precisa saber diferenciar o real agente socioeconômico daquele que é o impostor. Refiro-me aqui a uma onda de suspeitas que oportunamente costuma recair sobre o setor cultural, algo que põe em risco a credibilidade pública do trabalho de produtores sérios, muitas vezes jogados indistintamente no mesmo balaio. Afinal de contas, as medidas de precaução que são tomadas pelos governos e os órgãos de controle, terminam por não diferenciar muito bem essas funções. Há os que têm seus produtos culturais por mostrar, assim como, há aqueles que na fragilidade ou na inconsistência dos seus ofícios, não conseguem mostrar claramente seus resultados.
É evidente que em qualquer atividade há os que operam corretamente e outros que fogem desse atributo. Mas, é preciso ter muita cautela quando se põe sob suspeita, de forma precipitada, todo um setor de atividade. E isso tem sido comum no contexto dos eventuais embates políticos, justamente por ser o setor tão dependente das iniciativas governamentais e, por conseguinte, sujeito ao “termômetro político”. Dessa maneira, as suspeitas são difundidas de forma ampla e genérica, o que faz com que os receituários criados para combater esse “mal” desconsiderem as especificidades dos produtos. Uma atitude perigosa porque põe sob imobilização ações muitas vezes triviais e necessárias à sobrevivência da atividade. Que os maus profissionais possam mesmo ser expurgados do mercado, mas de uma maneira tal que não se comprometa o trabalho de quem exerce o ofício com as devidas dedicação e seriedade.
E o pior é que, em algumas ocasiões, essas suspeições são colocadas sem que se enxerguem os acertos que podem ser constatados na política cultural. Sem qualquer julgamento político e apenas na intenção fria de se analisar o que de fato está acontecendo, essa cena parece estar coerente com a realidade atual de Pernambuco. Observa-se que, de um modo geral, a artilharia de combate às velhas suspeições sobre contratos de artistas e erros nos processos licitatórios tem sido uma prática constante. Podem por em xeque, naturalmente, produtores inescrupulosos, que se aproveitam da situação favorável da política cultural, para tirar vantagens individuais, fugindo na maioria das vezes do controle direto do gestor. Um problema que já atingiu a gestão pública passada e que trouxe transtornos para o setor, justo no momento em que alguns avanços estavam em ritmo de conquistas.
Na atual gestão, a repetição dessas atitudes apenas comprometem a qualidade e a excelência de um trabalho que tem sido do agrado da maioria decente dos produtores culturais, mesmo que aqui ou acolá existam algumas discordâncias de operação e conteúdo, não obstante sejam aspectos que apenas sinalizam para alguns vieses conceituais dessa política.
Diante de tal contexto, soam como contraproducentes as ações estridentes sobre um setor que hoje tem competência e que está submetido a uma política pública acertada na sua macroconcepção. Na realidade, numa visão de conteúdo, a Fundarpe está sendo vítima do próprio modelo que combate, ou seja, ferida pela atividade inconsequente dos que exercitam a antítese da verdadeira cultura, aquela que democraticamente respeita sua diversidade e grandeza. Portanto, o que se constata, é a exacerbação de uma postura que - para muitos observadores do meio, dotados da mais sensata isenção - serve apenas para ignorar a excelência da política cultural do Governo do Estado, hoje uma conquista reconhecida nacionalmente.
Uma pena que os verdadeiros produtores culturais continuem submetidos a um instrumento de pressão permanente. De qualquer modo, essa condição que transparece como uma marca impregnada à atividade parece mesmo fazer parte da rotina. Mas, certamente, será sempre superada pela vontade maior de realizar e de contribuir para o engrandecimento da nossa cultura.
*Economista, produtor cultural e empreendedor do CINE PE.
fonte: http://www.nacaocultural.pe.gov.br/e-preciso-mais-atencao-com-a-cultura
Nenhum comentário:
Postar um comentário